6.12.2008

Matéria

De manhã cheguei muito atrasada ao emprego. As coisas para arrumar para um fim de semana fora mas, sobretudo, ela lembrar-se que queria levar a Nintendo e não a encontrar. Horas à procura da coisa e nada, stress, berros, birras tremendas (primeiro dela, depois minha), choros, ameaças de castigo, moralismos, portas a bater.
Deixei-a na escola de olhos inchados, não a volto a ver até Domingo, cheguei ao emprego de olhos inchados.
Como posso ter ficado tão preocupada por causa de uma coisa, será castigo suficiente para ela não a ter. Como posso ter deixado a minha miúda ir para a escola destroçada quando não estarei de noite para a consolar. Como posso ter ficado tão histérica pelo desapego dela às coisas materiais quando eu própria faço o mesmo (por não ter outra alternativa que não ignorar os apelos da matéria).
Quero dizer-lhe que não interessa, que havemos de procurar de cima abaixo até encontrar aquilo, que se não encontrarmos, paciência, tem a do irmão e poderá juntar dinheiro para comprar uma nova se quiser.
Quero dizer-lhe que nada disso tem importância, que o importante é ficarmos em casa as duas porque lhe dói a garganta (e mandei-a para a escola com uma colher de xarope), que teremos tempo para mimos e procurar a consola, que tudo não vai passar de uma recordação vagamente amarga. Explicar-lhe que se me irrito com ela é porque vejo tanto de mim nela e me estou a irritar comigo própria.
Quero mas não tenho como, que já não a vejo até Domingo, quero ficar mas não tenho como, tenho de vir trabalhar para o meu emprego de merda onde mal ganho para pagar as contas (sim, muitas ficam por pagar e vivo no terror de me cortarem a água/luz/gás).
Mas não quero que isso passe para eles, que eu tenha de aprender a lidar com isso, mas eles não, eles nunca. E passa, não o consigo evitar.
Que pouco sou para o tanto que eles merecem.

*não, há coisas que não vou entender nunca, que queres que faça?

6 comments:

Anonymous said...

provavelmente o que passará para eles (mais tarde ou mais cedo, pouco interessa) é aquilo a que o pitx se refere... a noção de que as coisas não são mesmo fáceis para os progenitores e que as crias devem ter essa noção... -
não necessariamente para que também elas se sacrifiquem em gestos concretos, no dia-a-dia.

mas tb acredito que só o terem essa noção verdadeira os fará, pelo menos, compreender melhor as atitudes dos adultos...

Karla said...

O instinto de protecção das crias é muito forte. A questão é que, por muito que os queiramos proteger, eles vão ter de saber lidar com a frustração. E isso é bom, e não tem nada a ver com sacrifícios gratuitos - tal como o pitx não estava a falar de sacrifícios gratuitos, mas de se saber dar valor às coisas.

De resto, embora numa situação totalmente diferente da tua (e por isso com menos justificação), revejo-me no que escreveste sobre reagirmos mal na altura e arrependermo-nos depois. Oh, se revejo...

Rita Quintela said...

Faz de conta que eu estou aí e te estou a dar o abraço mais solidário do mundo.

cecília r. said...

um beijinho. há momentos.

G_ticopei said...

Pensa antes no tanto que para eles és!

Márcia Carvalho said...

passa para eles, claro que sim, e ainda bem! Saber lidar com a vida não é passar-lhe ao lado. Se tu sabes isso eles o saberão e ainda bem...

pessoas com extremo bom gosto