3.04.2007

Entramos nesse avião

ou avioneta ou lá o que é. É pequeno e faz um barulho ensurdecedor com os motores. Com os capacetes postos mal ouvimos o que o instrutor nos diz. Estou apavorada e agarro-me a ti com força, tu sorris. Tenho medo de entender mal o que diz o instrutor, de ir parar ao chão sem conseguir abrir o pára-quedas (mesmo sabendo que vou saltar agarrada ao instrutor, o risco é minímo mas ainda assim). Planeámos tanto este momento, fazê-lo, saltar de pára-quedas, voar pelo ceu, os dois. Saltamos, é um voo rápido, quase sem memória, passa tudo rápido demais "foi bom!", exclamas, "havemos de fazê-lo de novo mas para a próxima agarrados um ao outro".
Vamos para o hotel. Há pistas para descer, peço-te que vamos à cor-de-laranja, por uma vez quero ganhar-te na descida. Ris e dizes que sim, que vamos à que eu quiser, que agora será tudo como eu quiser.
Descemos a pista, o vento gelado na cara, a entrar pelas narinas adentro e essa sensação de falta de ar misturada com adrenalina, deixas-me ganhar, eu sei (mas fingo que não percebi) e no fim atiramo-nos de costas para a neve, a rir às gargalhadas.
No avião de volta para casa deixas-me adormecer mesmo na descida, não fiz a descompressão e não sinto agora metade da cara. Sei que me escorrem lágrimas só desse lado (sinto o líquido quente na bochecha dormente) e a dor desse lado é como se me estivessem a picar com mil picos ao mesmo tempo. Ficas aflito, queres levar-me ao hospital mas não te deixo "isto passa, só não me deixes voltar a dormir na descida".
Chego a casa, essa sensação misturada de conforto com saudade do fim de semana (passou a correr).
Estou tão cansada que me vou deitar mesmo sem desfazer a mala, adormeço para, como sempre, acordar a meio da noite lavada em lágrimas.
Só em sonhos me lembro do teu funeral, só quando adormeço sinto o teu lado da cama vazio, há várias semanas que partiste e mesmo assim fui no nosso fim de semana há tanto tempo planeado. Quando vou aprender a viver com a tua morte e a sonhar com a nossa vida?

3 comments:

Rita Quintela said...

Só o tempo, querida. Só o temnpo te pode ajudar.

Clara said...

Credo, Rita, não é autobiográfica!

Anonymous said...

clarinha, estes teus textos, pá... vão de bons a excelentes!

pessoas com extremo bom gosto