6.29.2009
Imaginemos que há sitios que funcionam como um palco
foto Greg Williams
outros como uma passerele. Naquela rua vivem banqueiros, há uma modelo linda com pernas até ao céu que passa todos os dias, editoras de moda, actores, presidentes de empresas, vagabundos, estudantes de arte, secretárias, turistas, avozinhas com netos. Melhor dizendo, toda a gente passa naquela rua. Porque qualquer pessoa que more ou visite a cidade há-de, obrigatoriamente, descer ou subir a calçada sem carros, talvez apressadamente ou em passo lento, saboreando as montras ou procurando o anonimato em passadas largas e óculos escuros. O que quer dizer que poderemos também nós sentarmo-nos nos degraus da igreja [como os que cospem fogo e tocam musica em troco de moedas] e esperar pacientemente por alguém que procuramos e não encontramos.
Mais tarde ou mais cedo essa pessoa há-de passar por ali, isso é garantido.
Reparei nela pelos sapatos primeiro. Eram brancos e ponteagudos, de salto alto e conjugados com peugas azuis de riscas amarelas. Também isto não está correcto. Comecei por reparar nos lábios que pareciam esborratados numa figura com alguma dignidade. Só depois é que me virei para os sapatos, para a garrafa de whisky que levava na mão direita, destapada, para as pernas cheias de marcas e pensei "quando terá esta desistido da vida?" mas sabendo tão bem que estava mesmo a perguntar "quando irei eu desistir da vida?"