10.18.2009

A aspirina com Coca-Cola é uma droga fatal?

Antes do 25 de Abril, havia uma coisa chamada “condicionamento industrial”. A ideia era simples: a instalação de indústrias de relevo dependia de licença ou autorização mais ou menos discricionária do governo, que a negava quando os interesses da Nação estivessem em perigo.

O esquema protegia os grupos económicos nacionais da concorrência internacional e permitia que prosperassem à sombra da bananeira, mesmo se economicamente ineficazes. Foi por isso, por exemplo, que a Coca-Cola só entrou no nosso País em 1977. Antes era bebida non grata para o governo do Estado Novo.

Para ajudar à festa, espalhavam-se falsos rumores que atingiam a honorabilidade da marca. Lembro-me bem, ainda muito pequenino, para aí em 1973, de, no banco de trás do Fiat 850 Special Sport amarelo torrado da minha tia, ouvi-la contar à minha mãe sobre a pedrada fatal que uns jovens tinham apanhado em Angola por terem misturado Coca-Cola com aspirina. Um perigo, um perigo. As crianças não esquecem as histórias de terror.

Depois do 25 de Abril, os grupos económicos instalados com a protecção do Estado foram nacionalizados e os empresários perseguidos.

Por causa disso, na segunda metade da década de 70 e primeira da década de 80, podia dizer-se que havia uma clara e renhida luta de classes no País, com radicais clivagens ideológicas e sociais.

O CDS e o PSD, por exemplo, eram partidos muito ligados à agenda dos grandes empresários e para a restauração do capitalismo de mercado, pugnando pelas reprivatizações.

As nacionalizações provocavam uma divergência fundamental entre o CDS e o PSD, por um lado, e o PS e o PCP por outro, já que estes últimos as defendiam com unhas e dentes.

Quem ia a Cascais às discotecas, nos anos 80 não encontrava “betinho” de pullover Ted Lapidus à volta da cintura que não fosse do CDS ou do PSD e que não odiasse os “súcias” e os “comunas”.

Entretanto, no final dos anos 80, princípios dos anos 90, o Estado devolveu aos grupos económicos perseguidos aquilo que ilegitimamente lhes tinha expropriado.

E pronto. Acabou-se a razão para a luta de classes. Na posse do que era seu, os empresários deixaram de ter agenda ideológica. Deixaram de se importar com o capitalismo de mercado. O ideal era que o Estado os protegesse, como dantes. Não com o condicionamento industrial, que esse não é já possível no mundo globalizado e na União Europeia. Mas, por exemplo, gerando encomendas e contratos.

Para este tipo de ajuda os empresários já não precisam de um partido específico, de classe. Isso até é mau. Convém ter pontos de apoio em todos os partidos do chamado “arco da governabilidade”.

Os contratos e negócios não têm ideologia. Uns tantos empresários inteligentes passaram a fazer múltiplas no Totobola. Passaram a acolher, com afecto, colaboradores de destaque que apoiam diferentes partidos, incluindo o PS.

Hoje já não é nada possidónio um betinho de Cascais apoiar o PS.

A classe empresarial mais elevada continua a ser a classe social mais influente e dinâmica no País. Reparte-se entre o PS e o PSD. E não está nada interessada em liberalismos. Está mais preocupada em assegurar contratos.

Em rigor, é com isto que se tem de viver. Os escândalos financeiros do capitalismo anglo-saxónico, de matriz liberal, deixam-nos sem alternativa de monta. A única causa por que vale a pena lutar agora é muito simples: contratos, pois sim, mas com verdade e transparência. Só isto. Não é verdade que a aspirina não possa ser bebida com Coca-Cola.

4 comments:

Sabina said...

Pelo contrário: com umas gotas de limão e temos um "remédio" caseiro contra a gripe. Em teoria, claro.

Agata (irma da outra blogger) said...

Peço desculpa a minha ignorância mas o que são “súcias”?

Martim said...

Era uma designação muito em voga na direita nos anos 70 e 80 para os partidários do ps. De péssimo gosto, diga-se

Clara said...

ahahah [eu ainda uso, Martim].

pessoas com extremo bom gosto