10.30.2008

Chiado



"Atravesso um mundo rural suspenso na iminência do aguaceiro, uma manta de arrozais descosida pela linha ferroviária, planícies perto e vulcões na distância, aldeias imóveis, mesquitas e madrassas, camponeses curvados, mulheres em chador, crianças em rodopio. Apetece pensar que as pessoas são mais felizes neste universo pastoral: Mas não são, a relação do ser humano com a felicidade é igual em todo o lado."
Gonçalo Cadilhe, A lua pode esperar

Aproveito estes primeiros dias para tirar fotografias como os turistas. Sei que não durará muito, o meu estado de graça. Serão poucos mais os dias em que ninguém se importa com os meus erros, poucos mais os que me espantam, nos quais consigo ver a cidade reflectida nos olhos assombrados dos turistas.
Em breve será banal escalar as profundezas da estação de metro, daqui a pouco não me maravilharei com os rapazes na rua vestidos com fatos de mergulho e um cartaz a pedir abraços. Vou deixar de reparar nas fachadas com letreiros antigos e nos cafés fashion remodelados por estrangeiros. Será para mim igual almoçar nos Armazéns do Chiado ou no Nood, por isso registo aqui agora.
Percorro a rua com a máquina na mão, ninguém estranha, menos ainda aqui onde todas as coisas peculiares se juntam, onde as línguas se misturam, onde os pedintes se distinguem com dificuldade dos outros e sempre pelo tom de voz, nunca pelo aspecto.

E depois penso nisso, que viajar é ter esse assombro constante, e não me admira que seja tão viciante para quem já viajou muito (não sou eu, infelizmente) continuar a querer viajar sempre e mais.

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pessoas com extremo bom gosto