10.25.2009

Julgamentos morais sobre a conduta de terceiros

No princípio dos anos 50, no ambiente moralmente opressivo de uma pequena Universidade Americana fundada pela Igreja Baptista, Marc Messner, um jovem filho de um talhante kosher, que se dedica ao estudo e nada mais que ao estudo, engraça com uma colega bonita mas completamente diferente do comum e que frequenta as mesma aulas que ele.
Os pais dela, Olivia, de seu nome, são divorciados. Ela ela teve um problema de bebida e tentou suicidar-se. Um cocktail explosivo face à mentalidade ainda muito limitada da América profunda de cinquenta.
Assim que ganha coragem para a convidar para jantar, Marc, completamente inexperiente, sente-se dominado pelo desejo e, no regresso a casa, pára o carro e ousa, um pouco a medo, o contacto físico. Ora, pois Olivia não só não resiste como se mostra partilcularmente activa e desinibida.
Marc está cheio de ideias modernas, é ateu, lê Bertrand Russel e tem alguma intolerância para com os colegas normaizinhos. Mas isso não o impede de cair numa armadilha moral, que vem a condicionar todo o seu destino.
O que Olivia faz dá-lhe prazer, mas ele considera-a uma galdéria por o ter feito, e afasta-se dela.
Quando se reencontram por acaso, ela explica-lhe que fez aquilo porque gostou dele. E diz-lhe: "Eu-quis-dar-te-aquilo-que-querias. São palavras assim tão difíceis de entender"?
Philip Roth, no excelente Indignação, recentemente traduzido para português, ao contar esta história, evidencia uma verdade moral simples: dos relacionamentos íntimos à política, passando pelos pequenos favores ou condescendências que recheiam a nossa vida social, é uma hipocrisia condenar moralmente aqueles que fazem algo que que mais não é que aquilo que, no fundo, apenas corresponde ao que procurávamos e desejávamos.


9 comments:

Clara said...

n acho [nos relacionamentos]. acho que tudo o que cai demasiado fácil, como os frutos demasiado maduros, se torna maçador, desinteressante. deixa de haver espaço para a imaginação e para o desejo, fica tudo consumido na consumação.

Martim said...

Sim, mas quando dizemos que uma pessoa é demasiado fácil porque cedeu sem trabalho aos nossos desejos, é só ela que está a ser fácil, ou somos também nós que o estmao a ser? E isso tira-nos a moral para julgamentos morais, passe a expressão

Sabina said...

Não querendo cair em generalizações, porque normalmente são ridículas, tenho que concordar que, infelizmente, o pensamento de Marc é tipicamente masculino. Sim, os homens, tal como as mulheres, querem e cedem mas tendem a rotular depois de feito a cama de lavado. Nunca vi nenhuma mulher rotular um homem de galdério porque este se deixou levar.

Mas o que eu queria mesmo perguntar era: afinal o que é uma pessoa fácil? Se um adulto esclarecido e bem resolvido, que cede aos desejos de um companheiro e aos seus (!), que se deixa guiar pelos seus instintos, que saboreia a existência de química, sem grande trabalho (?), é uma pessoa fácil, então ou somos todos muito hipócritas ou… i'm easy like sunday morning.

(Esta expressão “sem grande trabalho” quer dizer exactamente o quê? Existe um número de vezes que uma pessoa tem que negar, negando-se, para que outros, ou pior, o parceiro, poder dizer que “esta deu trabalho”? E esse número é qual? Qualquer numero excepto zero?)

Martim said...

Sabina, tendo a concordar com o teu ponto de vista. Marc, no livro é o exemplo do jovem "avançado", cheio de si, que pensa que é diferente, mas cai nas mesmas armadilhas morais do outros. Algumas delas masculinas.
Há uma outra passagem deliciosa do livro: quando Marc, ateu profundo e cheio de pretensa ética, paga a um terceiro aluno para picar por ele o ponto nas cerimónias religiosas é descoberto, expulso e, em consequência, mobilizado para a Coreia. A mobilização para a guerra da Coreia é o grande fantasma e pano de fundo de toda a obra. Todos tentam não ser mobilizados, adaptando as suas estratégias para o efeito.

Sabina said...

:-)

Ok, Martim, estou convencida.
Depois do Bolaño, irei indignar-me com Roth.

Martim said...

Fazes muito bem. O livro é mesmo bom....

ecila said...

Por acaso sinto um pouco de vergonha em confessar que desconfio sempre de homens fáceis. Nao sei porquê, mas fico sempre de pé atrás. Está mal, eu sei, mas que esses ficam um bocadinho queimados para mim, ficam. E isso é terrivel, porque na Alemanha quase toda a gente é fácil, seja mulher ou homem. Tenho que superar este meu preconceito :-(

Clara said...

Martim, entendo bem o que dizes, eu nunca usaria essa expressão [muito menos referindo-me a uma mulher]. É machista. O que eu queria dizer era quando tudo se processa demasiado rápido tem pouco fundo, uma base pouco sólida, desmoronável à mais leve brisa. Um dia conto-te uma história de um miúdo pequeno e uma máquina de fazer bolas de sabão que ilustra aquilo que te estou a dizer e é demasiado longo para escrever aqui. Deixo-te este post, que ilustra mais ou menos o que penso sobre isso.

Carol said...

A curiosidade pelo livro é mais que certa. Obrigada!

pessoas com extremo bom gosto