Fiz a marginal de regresso a casa na primeira manhã do ano. Eram quase oito horas. Duas festas. A segunda acaba por fazer descarrilar os horários. Nem acredito que me deitei tão tarde.
Fiz a marginal com um sorriso estampado no rosto. A cópia possível de um sorriso lindo que gravei na memória. Um sorriso lindo que, de súbito, iluminou uma cara sem nada de especial com que me cruzei durante a noite, e que não conhecia. Umas palavras de circunstância, também nada de especial, mas que desvendarem um sorriso que era todo ele um caloroso abraço. Se calhar não o volto a ver. Os sorrisos fugazes não trazem números de telefone acoplados. E eu já não me esforço muito por estas coisas.
Antes de reparar o desvario com um sono trocado, ainda abro o FT online.
Está lá, em destaque, a história de Mina, uma iraniana de 36 anos que, nestes dias, se prepara para a morte sempre que sai à rua, em protesto contra o regime tirânico sob o qual vive.
Mina escreve o nome e morada num pedaço de papel, para que o seu corpo possa ser identificado, caso ocorra o desfecho fatídico.
Imagino que Mina possa sorrir de forma tão luminosa como a que vi esta noite, sempre que, após tais preparativos, regresse a casa a salvo, no fim de mais um dia empolgante nas ruas de Teerão.
O drama de Mina é a falta de liberdade, contra a qual dá de penhor a sua vida.
Ao pé deste, os nossos dramas são do tamanho de formiguinhas. A conta para pagar, a avaria do carro, o emprego mortiço, o défice que nos estrangula, um governo que não governa, um país adiado.
Mina não põe as coisas desta maneira mas, no fundo, luta pelo direito a ter só os nossos pequenos dramas. Ter liberdade significa, antes de tudo, não precisar já de verter sangue e lágrimas para a conquistar. E poder então sorrir ou chorar só por coisas mais simples e pequenas.
1 comment:
Reconheço a sensação boa de chegar a casa com um sorriso provocado por um abraço e por sorrisos lindos!
Partilhar é doce!
Feliz2010
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