1.22.2007

xxx-rated

Quando o telefone tocou sabia que eras tu e por isso mesmo não queria atendê-lo. Via-o a piscar inecessantemente, irritantemente em cima da mesa. Levantei-me a custo do sofá e abri lentamente a tampa do telefone, como se pudesse assim arrastar aquele momento infinitamente. Oiço-te: (Quero combinar contigo para levar as minhas coisas aí de casa).
Oiço-te mas não te quero ouvir. A minha mente desliga, vagueia por outros mundos como naquele fim de semana, lembras-te, que passámos em casa do teu irmão.
(os livros escolhe tu os que posso levar, nunca sei quais são os meus)
Tinha um presente para ti quando chegámos, estoirados depois de 4 horas de viagem, mandei-te procurá-lo e diverti-me a ver-te desfazer as malas todas e a revirar o carro.
(As fotos levo-as e mando fazer cópias, tá bem?Não vou levá-las todas e devolvo-tas logo que possa).
Procuras mal, disse-te, o presente está bem mais perto. Está pertíssimo de mim. Fica fácil demais assim, não é? É preciso que ponhas isto (tirei a velha venda preta da mala).
(Se quiseres levo o cão, ou pelo menos, quero vir buscá-lo umas vezes, espero que não te importes. )
Depois da venda posta deixei-te procurar no sítio certo, sentiste as ligas e as meias a apertarem as coxas, sentiste o body a apertar com laços nas costas, não sentiste cuecas porque eu não as tinha.
(Se não te importas levo alguma roupa de cama, uns lençois, tens tantos que não te farão diferença.)
Nessa altura imploravas que te deixasse tirar a venda mas proibi-te. Mandei-te deitar para trás e deitaste, a medo, sem saber se irias aterrar no chão ou na cama.
(Se queres tanto as cadeiras da sala, parece-me justo que leve a estante.)
Tinha outras vendas e acabei por te amarrar as mãos naquela cama antiga de metal branco.
Estavas aínda completamente vestido mas conseguia ver um enorme alto no meio das tuas pernas e por segundos receei que fosses romper o tecido dos boxers e mesmo o das calças.
(Das contas tens só que assinar aqui uns papeis que te deixo à entrada para deixarmos de ser titulares da conta um do outro.)
Pus aqueles sapatos de salto agulha (acho que nem os conhecias), subi para cima da cama e passei por cima de ti, gritaste, tentaste desmarrar os pulsos. Então de pena tirei-te a venda e lembras-te? Vieste-te sem nos tocarmos.
(Deixo-te a chave na caixa do correio.)
E como é, que passado este tempo todo, te continuas a agarrar a essas banalidades?

22 comments:

Anonymous said...

Como poderia ele esquecer?

Post lindo e triste ao mesmo tempo.

(Queria dizer mais, mas não me sai nada de coerente. Volto mais tarde.)

Margarida Atheling said...

Por mais estranho que seja - e é muito! - há sempre qualquer coisa de profundamente bonito na separação de duas pessoas que se gostaram. Até a separação é, ainda, uma coisa que têm em comum.

Beijinhos

LP said...

Estou sem respiração...

100nada said...

Que texto fabuloso! Meu Deus!!!!

Xana said...

:(

S.A. said...

E pq há pessoas que escrevem (MESMO) bem.
Independentemente de ser ou não ficção...

anne said...

muito triste, o texto e a sua veracidade

Anonymous said...

Este é um daqueles textos que só escreve quem vive o que está a escrever. Houve alguém num comentário atrás que falou de ficção! - Nã! Ninguém inventa um texto assim!

O calor de outrora; a frieza de agora! ...Como eu conheço!

Mas também sinto, e posso estar enganada, que quem escreveu este texto, distingue perfeitamente o passado do presente. E sabe que nada voltará a ser como era dantes!

Mas os filhos... e os filhos?

Bj e força

Anonymous said...

Lamento desiludi-los mas não passa de ficção sim.

Anonymous said...

Não digo mai'nada!!

Mocas said...

Tal como a Sophie ... é lindo, mas triste.

Rita Quintela said...

Gostei tanto!

Armando Rocheteau said...

Gostei muito. Cheguei cá via 100 nada.
Beijinho

Anonymous said...

E põem a chuchas dos bebés! E comentam, mas o que é que têm para dizer?
Este teu texto deu-me para a solidariedade, fiquei triste, coisa que um Perestrello sofre com raridade.
Clara, quero-te conhecer, estou farto da Anabela (uma empregada cá da quinta) que cheira a alho, a única fêmea que tenho visto, isto além das éguas e da Pintaínha a cadela do Jacinto. Até posso emprestar-te o Jacinto (trabalha aqui na estrebaria) para tarefas domésticas, é uma jóia, neste período difícil, a mim dá-me para o desleixo nestas ocasiões, só me apetecer beber e copular.
Qualquer outra ajuda no processo difícil que estás a passarpoderá ser considerada. Não uses o Jacinto para dar uma tareia nesse bandalho que só pensa em trivialidades, ele não gosta de porrada e foi formado em hermeneútica do pré-conhecimento por mim ao longo destes anos, de forma que não tolera uma tareia premeditada, apenas em cima da hora. Creio que Sade se baseou num homem parecido para criar o seu personagem na sua "Filosofia de Alcova".

Gosto muito de vinho tinto e cavalos, fui forcado amador em Coruche, mas estou retirado. Hoje dedico-me a queimar livros do Saramago quando mos oferecem e a deslindar Kirkgard depois de supervisionar as tarefas agrículas, vinha, pastos, ordenhar as vacas, ajudar a parir, etc... Sou de direita e partidário convicto do não, sou pecador convicto mas muito católico.
As maiores saudações, gostava de te enviar flores aqui da quinta.

Miguel Perestrello de Faria

Jolie said...

Fantástico. Sem palavras.

Anonymous said...

miguel, você promete está visto. Flores virtuais aceites para o mail do blog.

Anonymous said...

Saíu sem olhar para trás. Sem apagar a luz. Sem fechar a porta. O quarto vazio fica tão gelado! Parece impossível imaginar que alguma vez tenha estado quente...

Anonymous said...

Há gente assim, anonymous. E não seremos todos? Haverá lá outra forma de fazer as coisas?

Crezia said...

Olá. Só hoje cá vim. É mesmo isso, não é? É mesmo assim. Reconheço-me neste texto brilhante. E isso é lindo e triste :)

sem-se-ver said...

fiquei triste. muito triste.

Anonymous said...

Absolutamente fabuloso!
Xicoração.

Maria said...

it´s hot in here

pessoas com extremo bom gosto