Esteve lá um porta-aviões. Era um porta-aviões daqueles grandes, dos filmes, cheio de aviões estacionados em perpendiculares exactas.
Durante muito tempo esse porta-aviões esteve ancorado na base militar à espera que, um a um, os aviões fossem sendo chamados para alguma guerra. Essa era apenas a sua função, carregar os aviões, e durante todo esse tempo nenhum levantou voo.
Eram tempos de paz.
Os aviões, estacionados em perpendiculares exactas, temiam e ansiavam (não numa medida exacta de temor e ansiedade, era assim uma coisa que variava, por vezes era mais o temor que a ansiedade, outras tantas seria o contrário) que os chamassem para a guerra.
Imaginavam que quando fossem chamados, lhes seria difícil vencer o atrito com as rodas, seria custoso (depois de todo aquele tempo de inactividade) atingirem a velocidade necessária para levantarem voo. Chegavam mesmo a questionar-se se ainda conseguiriam voar, a lembrança de voos era já uma coisa de contornos esbatidos, uma vaga sensação de prazer e liberdade, mas nada de muito concreto, nada de muito inquietante.
É claro que chegou o dia. Nenhum dos aviões se recorda muito bem do princípio, tal foi a velocidade à qual a coisa se passou, do mar calmo e silencioso a sirenes ruidosas, a ordens gritadas e confusas, contrariando-se, sobrepondo-se umas às outras em catadupa.
Sabem que foram, quase empurrados (no meio do pavor, íam ver tiros, íam ver mortes, íam ver o mundo fora do porta-aviões) e que, num instante, se viram no meio do ar, voavam, tinham o ceu à frente deles sem limites, podiam percorrê-lo em qualquer direcção, podiam dar cambalhotas e loopings sem parar, e já só questionavam era que raio de medo tinham tido afinal e se algum dia quereriam voltar ao porta-aviões (é provável que não).
2 comments:
Eu sinto-me assim como um desses aviões. Acho eu...!
Pelo menos, às vezes!
Beijinhos!
É provável que não mas "a missão" iria fazê-los voltar a perder o medo. E regressariam.
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