3.28.2008

As mulheres dos gatos

Tive uma bisavó que morreu muito velhinha numa casa cheia de gatos. Nunca entendi esta mania das velhinhas e os gatos, lembro-me um pouco da casa dela. Era numa casa grande, numa perpendicular da Duque de Loulé e eu tinha vómitos com o cheiro de cada vez que lá entrava. Algures naquela casa já tinham vivido pessoas, crianças, poucas, aliás só uma, o meu avô. E adultos, vários. Os meus bisavós, as criadas. Mais tarde no tempo o meu tio, a mulher do meu tio, o meu primo, talvez. Suponho que nessa altura ainda não existissem os gatos. Nunca conheci bem esta minha bisavó, ao contrário de outra que via quase diariamente e que não coleccionava gatos. A casa desta outra bisavó cheirava a coisas antigas e era perto do meu emprego de agora. Acho que hoje passei por lá. E muito próximo do meu ballet, do cheiro a resina das sapatilhas, dos risos das minhas colegas, todas sonhando em ir para o conservatório menos eu, da música clássica tocada ao piano, pliê, jetez e estica, primeira, segunda, terceira, pliê, esses braços, degagê.
Tive uma bisavó que algures no tempo se divorciou quando ainda não existiam divórcios, que conduzia quando nenhuma mulher podia conduzir e que morreu como a velhinha dos gatos. A pouco a pouco, também eu me torno na minha bisavó.

6 comments:

Comendador Antunes de Burnay said...

Já tem um gato?...

Clara said...

Não.

susana said...

belo texto.

sem-se-ver said...

subscrevo (o coment da susana).

Alba said...

Curiosa, essa sensação de pouco a pouco nos irmos transformando. E tornando-nos cada vez mais próximas. De nós próprias e "delas".

Pitx said...

duas coisas:

- tenho pavor a gatos
- o teu layout hoje está....

pessoas com extremo bom gosto