O PEC. Andamos nisto há praticamente 10 anos. A sofrer para corrigir défices. Quando corrigimos um bocadinho, vem logo algo que faz descarrilar outra vez as contas públicas, ainda mais. Parecemos Sísifo, a empurrar eternamente uma pedra gigante montanha acima. Dez anos depois e estar no mesmo sítio não é motivo de grande regozijo.
Podia pensar-se que, por causa desta década a corrigir défices, há uma geração inteira que desconhece as amenidades do optimismo e do crescimento económicos. Não é verdade. Parece ter havido sempre um desencontro entre a situação real e as expectativas dos portugueses, muito por causa de uma espécie de duende financeiro que tudo tornava possível: o crédito barato e quase ilimitado.
Enquanto a economia real agonizava, a economia financeira prosperava à custa da multiplicação do crédito. O duende financeiro revelou-se, ao nível mundial, um mágico de feira, e a ilusão desabou. Veio a grande crise do final de 2008.
Para a combater, os Estados endividaram-se brutalmente. Aguentaram as coisas. O pior parecia ter passado. Os défices aumentaram exponencialmente, mas tal foi apresentado como uma situação provisória, necessária até, para superar a crise. Um mal menor. Uma panaceia para garantir a recuperação.
O PS ganhou as eleições prometendo manter os apoios à economia até 2010/2011 e construir o TGV. O PSD era contra o TGV mas a favor dos apoios à economia, ainda que mais dirigidos ao tecido produtivo (vulgo pequenas e médias empresas). Nenhum dos dois- repita-se, nenhum dos dois - pensava que era necessário corrigir brutalmente o défice já em 2010.
O que é que mudou? Nada. É isso mesmo. Na economia real, nada mesmo. Até houve lampejos de recuperação. Um défice alto não é bom, mas é como quem começa a fumar: não morre logo no ano a seguir de enfisema. Numa situação de debilidade económica, o défice pode até ser virtuoso. E um défice de 9,3%, transitoriamente, por dois ou três anos, não mata, desde que se possa financiá-lo, renovando a dívida que se vai vencendo com mais dívida.
Ora aqui é que surge o problema. Se de súbito toda a gente se corta a subscrever novas emissões de dívida do Estado, pensadas para refinanciar a dívida anterior, tudo desaba que nem um castelo de cartas.
Pois foi este ponto que obrigou à grande inflexão de Sócrates. Que seria, diga-se a verdade, a inflexão de Manuela Ferreira Leite ou de quem quer que estivesse no governo, face aos perigos de contágio do papão Grécia.
Foi o receio de que um défice alto pudesse gerar nos investidores pouca confiança para refinanciar a dívida portuguesa a juros que não fossem exorbitantes que obrigou o Governo a PECar. O PEC é fruto do nosso tempo: a economia tornou-se, de facto, numa mera psicologia de massas. Um produto da psique dos grandes investidores que se deitam todos os dias no divã das agências de rating para exorcizar os medos. Nós elegemos os nossos governantes. Mas são os fantasmas deles os soberanos.
3 comments:
estou farta de dizer o mesmo: economia é como o professor karamba. com a diferença que ele cobra menos. e acerta mais.
é uma "ciência" como a meteorologia é uma "ciência". faz umas previsões e isso, acerta de vez em quando mas se serve para alguma coisa ainda está por provar.
Como eu o percebo caro Martim. O que eu não percebo é porque é que temos que pagar a ineficiência do Estado vezes sem conta. O que eu não percebo é como é que se mente descontraidamente a dizer que não vão existir aumentos de impostos. O que eu não percebo é o porquê de se estarem a pagar juros altos lá por fora e os certificados de aforro, que até podiam dar uma ajuda, continuam sem 'interesse'. O que eu não entendo é tanta coisa que fico por aqui a desenvolver teorias sobre a vontade do ser, o desejo do poder, a natureza humana, e no final, no meu cantinho, prometo que não me resignarei.
Tudo bons pontos, primo
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